S. Simeão

 

HOMILIA PARA A QUINTA-FEIRA SANTA


D. Armand Veilleux, Abadia de Notre-Dame de Scourmont, Forges, Bélgica.
1.4.1999

Uma das coisas maravilhosas da literatura do Antigo Testamento e do povo judeu que o escreveu é o modo no qual estavam em contato com sua própria violência. Há uma relação muito íntima entre a violência e o sagrado. Povos mais antigos desenvolveram a compreensão de sua existência sob a forma de mitologias cheias de histórias de batalhas épicas entre os deuses, e às vezes, entre os deuses e os seres humanos.

Uma das intuições básicas dos escritos do Antigo Testamento foi a consciência honesta e o reconhecimento do fato de que a violência não está lá em algum universo a que pertencem os deuses; ela está aqui entre os seres humanos, e no coração de cada um. De fato, há ainda nesta época uma consciência bruta do fato, com a qual os judeus gostavam de ver Javé de seu lado em todas as suas batalhas, assistindo-os na destruição de seus inimigos. A refeição pascal era um assunto tipicamente familiar, para a qual os vizinhos poderia ser convidados. Mas, entre outras coisas, era o memorial de como Javé os havia salvo enquanto destruía todos os primogênitos dos egípcios.

Em todo caso, a consciência do fato de que a fonte da violência se encontra dentro do coração humano criou um abertura que tornou possível para Jesus, o Rei da Paz, de nos trazer seu Reino. Ele aceitou ser uma das vítimas desta violência, e assim, colocar-se a si próprio do lado das vítimas.

A forma mais sutil, mas também, uma das mais destrutivas de violência institucionalizada reside sobre a hierarquia das classes sociais. Isto é verdade, com nuanças locais, para toda cultura sem exceção. Algumas pessoas, devido à sua origem, sua família, sua educação, mesmo seu trabalho duro, se assim o desejam, alcançaram um ponto onde eles têm a maior parte do tempo, pessoas que os servem. Outras pessoas, devido à sua origem, sua família, sua educação limitada, e outras circunstâncias, gastaram sua vida inteira fazendo-a um constante serviço aos outros.

O que Jesus nos diz no Evangelho de hoje é perigosamente revolucionário. Ele recusa esta forma de relacionamento humano. Para ele, o serviço é uma forma de amor e então nós todos devemos servir uns aos outros, quaisquer que sejam os vários papéis que somos chamados a desempenhar na vida social ou religiosa. "Vocês me chamam mestre, e eu o sou", diz ele... Ele não engana ou esquece que ele é o Mestre e que os outros são seus discípulos, mas recusa-se a considerar que esta é a base para que um seja servido e os outros o sirvam. O serviço mútuo e as expressões de respeito mútuo são o que confirma a todos nós na nossa dignidade humana.

A celebração da Eucaristia é um memorial diário tanto de nossa dignidade quanto de nossa igualdade como seres humanos. Hoje, enquanto participamos desta celebração, dezenas de milhões de pessoas no mundo vivem no exílio, como residentes ilegais sempre ameaçados de expulsão ou em campos de refugados ou fugindo para salvar suas vidas, como os cidadãos de Kosovo nestes dias. Três quartos da humanidade vive na fome e na miséria enquanto a outra parte considera como seu direito ter um estilo de vida afluente que cria um grande fosso entre os dois grupos.

À medida que nos aproximamos do banquete eucarístico ao qual somos convidados por Jesus, oremos para que o Senhor apresse a vinda do dia em que cada um seja bem-vindo ao banquete das Nações.

© Abadia de Scourmont, 1999.
Traduziu: Cecilia Fridman, Rio Negro, PR, Brasil, para o Mosteiro Trapista Nossa Senhora do Novo Mundo, 1999.