Pantocrator Jovem

 


 

XI. "UMA UTOPIA QUE FUNCIONA"

O Cristianismo não falhou; ainda não foi tentado. (Chesterton)

 

Como compreender o inesperado sucesso do Cristianismo em todo o âmbito do Império Romano e mesmo fora de suas fronteiras orientais? Como compreender a extraordinária expansão de comunidades? O segredo já está em Hermas. O Cristianismo rejeitou desde cedo grandes utopias e concentrou-se em projetos muito concretos. Os estrangeiros que chegavam a Roma e a outras grandes cidades podiam contar com um serviço cristão de hopitalidade. Hermas louva os bispos que organizam esse tipo de serviço primário. Eram convidados à comer à mesma mesa. Alimentos eram levados para viúvas necessitadas e órfãos. Havia comunidades que organizavam um serviço regular de alimentação e hospedagem para necessitados, viúvas e órfãos e mantinham uma caixa de ajuda mútua para casos de urgência. Como escreve Hermas, as pessoas ofereciam donativos em gêneros alimentícios nos dias de jejum. Um serviço bem organizado era o do enterro de falecidos, não só da comunidade, mas da vizinhança em geral. Compravam-se terrenos para enterrar os mortos. Os cemitérios cristãos aceitavam da mesma forma enterrar pagãos. Quando alguém caía doente, podia contar com visitas regulares e até, nos melhores casos, encontrar um lugar tranquilo para se recuperar. Na hora de interrogatórios pelas autoridades, os cristãos se davam mutuamente apoio moral. Procuravam também manter um alto astral por ocasião de 'pogroms' e outras investidas de hostilidade por parte de grupos e pessoas. Havia um serviço de visita aos presos. Segundo Hermas ensinua, havia também um serviço de amparo psicológico para os que, desesperados, tentavam o suicídio ( Comp. 10,4.3; p. 273). Assim a comunidade cristã local era, no dizer de Hermas, um 'salgueiro' que protegia muita gente, cristãos e pagãos, na amplitude de sua sombra (Comp. 8,1; p.234). Eis o segredo do sucesso do cristianismo.

É um engano pensar que o cristianismo do século II se espalhou por meio de um movimento organizado de evangelização. Devemos esperar até o século III para ouvir falar formalmente de um missionário explícito. Nesse ponto, costuma-se cometer um anacronismo, ou seja, projetam-se métodos posteriormente usados pela Igreja naqueles séculos primordiais. Como escreve o filósofo romano Celso por volta do ano 170 d.C., os cristãos do século II eram tímidos e viviam nos setores segregados da sociedade, entre escravos, libertos e trabalhadores livres. Não imaginemos, pois, um cristianismo que vence pelo testemunho destemido de mártires, pela santidade heróica, pelas virtudes extraordinárias. A realidade não corresponde a esses sonhos triunfais, ela é bem modesta. Hermas se confessa medroso e inseguro, um homem normal. O cristianismo do século II é uma "utopia que funciona". Por que não funcionaria esse tipo de cristianismo hoje? "

Extraído do livro "Hermas no topo do mundo"- leitura de um texto cristão do século II - Eduardo Hoornaert, Ed. Paulus, 2002