Última Ceia

 

NOVOS PEREGRINOS OU GIRÓVAGOS CULTURAIS?
D. Armand Veilleux, OCSO
(Este artigo apareceu num número recente de
Monastic Studies [nš 16, Natal 1985], "Em Honra de Dom Jean Leclercq)

A "viagem" é um dos grandes arquétipos espirituais encontrados em todas as grandes religiões e culturas. Não é de se surpreender, pois, que os monges tenham com freqüência adotado o estilo de vida de peregrinos. Assim eram os munis da Índia pré-ariana, os rishis e os sannyasin do Hinduísmo, num período tão precoce quanto os primeiros Upanishads, os bikkus do Budismo e a ascética mais antiga do Cristianismo cuja vida está descrita nos Atos de Tomé e no Liber Graduum. Na tradição ocidental do Cristianismo, a mesma espiritualidade da peregrinação estava no centro da tradição do monaquismo celta e inspirou as aventuras missionárias de Agostinho na Inglaterra e de Bonifácio na Alemanha.

Não se trata de uma prática universal contudo. No Oriente cristão, os primeiros monges egípcios, embora recebessem um fluxo grande e constante de visitantes, relutaram a adotar uma estilo errante para si mesmos, e no Ocidente, Bento claramente expressou sua falta de estima por aqueles que denominou de "giróvagos". Mas embora os monges egípcios e os ocidentais após Bento tenham se caracterizado por uma busca de estabilidade geográfica, a vida monástica continuou a ser vista por eles como uma caminhada, uma viagem, embora essencialmente se trate de uma viagem interior.

Em nossos tempos, o monaquismo ocidental conheceu novas formas de peregrinação. Depois de ter ficado restrito à Europa por vários séculos, o monaquismo entrou subitamente num grande movimento de fundações, primeiro na América do Norte, e depois na África, América Latina e Ásia. Junto com esta implantação em vários setores do Terceiro Mundo, o monaquismo ocidental começou, especialmente desde o Vaticano II, a desempenhar um papel muito ativo no diálogo entre o Cristianismo e algumas das grandes religiões não-cristãs do Extremo Oriente, especialmente o Hinduísmo e o Budismo.

Fiel à preocupação de Bento de distinguir entre a autêntica peregrinação espiritual e o girovagismo, parece importante neste momento da evolução do diálogo monástico com outras culturas e religiões de nos perguntarmos quais as condições para uma peregrinação autêntica e frutífera.

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Nosso século é caracterizado pela aceleração da história e a relativização das distâncias, assim como por um encontro maciço de todas as grandes culturas e religiões do mundo. Só meio século atrás, poucas pessoas tinham a oportunidade de viver numa outra cultura que não a sua própria. Poucos Ocidentais haviam ido alguma vez à Ásia e à África, e o oposto era ainda mais excepcional. Agora isto se tornou uma prática comum. No passado, só uns poucos especialistas podiam estudar as grandes tradições culturais e espirituais - velhas e novas - de outros continentes. Os encontros interculturais e interreligiosos são agora cada vez mais frequentes.
Deve-se ter consciência, contudo, de que embora quase todos estejam afetados por tais mudanças culturais, muito poucos estão envolvidos ativa e conscientemente no encontro e no diálogo acima mencionado. E estes estão geralmente limitados quer a especialistas quer a pessoas influentes.

Entre as hordas de ocidentais (principalmente jovens) que foram ao Oriente nos anos 50 e 60, havia autênticos peregrinos, que prosseguiam sua caminhada espiritual para além dos limites de seu ambiente nativo. Havia também um número muito grande de exilados culturais e de giróvagos espirituais que saíam de um país onde não haviam conseguido criar raízes. Alguns acharam suas raízes fora de lá; outros a encontraram em sua própria terra natal quando voltaram. Muitos permaneceram para sempre andarilhos errantes, sem raízes.

Enquanto o giróvago não tem raiz, e portanto, não pode realmente crescer, o peregrino autêntico é alguém solidamente enraizado. Quer tem um "lar" de onde vem e ao qual retorna ao final de sua peregrinação; ou- se adotou a forma de existir de um peregrino permanente - ele descobriu um enraizamento interno que vai além do ambiente de apoio de um enraizamento geográfico e cultural.

O peregrino está em casa em toda parte sem tentar construir uma casa em qualquer canto. Tem um senso de liberdade que pode facilmente se tornar uma ameaça a quem quer que ainda ache sua segurança em pertencer a um lugar e grupo específico ou a um sistema sólido. Não é um bom cliente para os mercadores de bens espirituais alheios. O giróvago, ao contrário, constrói casas temporárias onde quer que vá, compra todos os últimos produtos do mercado e se torna o discípulo ingênuo do último "self-made" mestre.


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Quando tantos jovens da América do Norte e da Europa estavam olhando para o Oriente, os monges europeus estavam ocupados fazendo fundações principalmente na África e os monges norte-americanos estavam fazendo o mesmo na América do Sul, embora tanto americanos quanto europeus tivessem também feito algumas poucas fundações também na Ásia.

A primeira onda de fundações, no final do século 19 e no começo do 20, com a exceção de duas fundações trapistas no Japão, foram principalmente na tradição do beneditinismo missionário. Os monges de St. Otílio, em geral acompanhados ou seguidos pelas Irmãs de Tutzing, realizaram um belo trabalho de evangelização e de educação. Mas o diálogo com a cultura local e as religiões locais não foi a primeira preocupação naquele tempo.

Uma segunda onda de fundações, após o apelo de Pio XII aos contemplativos, foi diferente. Um grupo razoavelmente grande de fundadores veio trazendo tanto sua tradição monástica quanto sua cultura. Eram em geral humildes, bons monges e monjas, e rapidamente perceberam a necessidade de adaptar seu modo monástico de vida às tradições das culturas locais. Mas isto nunca foi uma tarefa fácil, quer para os próprios fundadores quanto para as primeiras gerações de monges e monjas nativos(as). O diálogo com as culturas locais se tornou muito mais difícil pelo fato de que essas culturas estavam num período de transformação radical e rápida, especialmente depois do começo dos movimentos de independência na África nos anos 60 do século 20. Além disto, os jovens que entravam nas novas fundações não eram necessariamente aqueles mais em contato com as aspirações e os problemas de seus próprios países. Uma situação semelhante poderia ser mostrada na América Latina, especialmente desde o desenvolvimento da teologia e da espiritualidade da libertação que nela se deu.

Desde o Vaticano II, muito poucas fundações foram feitas da Europa para a África e para a América Latina. Um novo fenômeno surgiu, porém. Ao invés dos fundadores virem de fora e procurarem candidatos, agora em vários países há grupos de aspirantes à vida monástica procurando fundadores, ou ao menos, por alguém que os ajude a começar fundações indigenizadas. Esta abordagem para as fundações é extremamente promissora, mas tem dificuldades próprias. Não é raro que os membros nativos de tais fundações estejam mais relutantes a fazer adaptações às culturas locais do que muitos estrangeiros!

O crescimento da vida monástica na Igreja do Terceiro Mundo foi provida em grande parte por uma iniciativa que deve muito a Dom Jean Leclercq na sua origem e no seu desenvolvimento (Aide à L’Implantation monastique, depois rebatizada Aide Inter-Monastères). Provendo diversas formas de ajuda para mosteiros isolados, também organizou em cada continente (África, Ásia, América Latina), conferências de superiores e de outros representantes das comunidades locais. Enquanto criava um espírito de busca comum e de abertura comum, desenvolveu um espírito de "peregrino". Os fundadores compreenderam mais e mais que eram peregrinos numa terra estrangeira, trazendo uma tradição, uma presença, e fazendo as adaptações externas óbvias, mas deixando às futuras gerações a responsabilidade de fazer adaptações mais radicais e profundas.

Muito se tem dito sobre a inculturação. Meu próprio sentimento é que não precisamos tanto de inculturação. O que quero dizer com isto é que precisamos nos tornar livres de toda cultura, transcender toda cultura: aquela da qual viemos e aquela em que nos encontramos. Se se é livre, não se tem dificuldade de expressar seus valores na linguagem e costumes da tradição na qual em que está como peregrino, mas permanecerá livre o suficiente para desafiar a cultura em que peregrina. Pois, se é verdade que o Cristianismo (e o monaquismo) devem falar a toda cultura numa linguagem que possam entender, também é verdade que toda cultura precisa ser desafiada pelo Cristianismo e pelo monaquismo. Não é suficiente para um monge se tornar hindu ou africano; ele precisa se tornar um monge hindu ou africano e .... evidentemente um monge cristão.

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Diversas circunstâncias levaram as grandes conferências organizadas pela AIM na Ásia a serem oportunidades de contato com representantes das religiões orientais. Devido a isto, a Santa Sé pediu aos monges que assumissem uma responsabilidade e papel de liderança no diálogo com as tradições espirituais orientais. De fato, o diálogo interreligioso e intercultural pode ser uma forma de peregrinação extremamente consistente com a vocação monástica, uma vez que o monge é chamado à integração final que transcende qualquer cultura em particular. A AIM aceitou cumprir esta tarefa, e fundaram-se duas sub-comissões, uma na América, no verão de 1977 (North American Board for East West Dialogue), e poucos meses mais tarde, outra na Europa (Dialogue Inter-Monastères).

O interesse neste tipo de diálogo se desenvolveu entre monges e monjas da Europa e da América mas do que entre os membros das comunidades monásticas cristãs da Ásia. E na Ásia, foi mais promovido por europeus que estavam vivendo lá por um longo tempo do que pelos próprios asiáticos. As razões para tanto parecem não ser muito bem compreendidas no Ocidente. Os asiáticos que cresceram em contato com outras tradições religiosas têm por vezes reações radicais a elas, mas raramente achei tal atitude nos mosteiros do Oriente. Os monges e monjas do Oriente consideram que o que aprenderam das tradições locais através dos contatos diários desde a sua juventude afetou realmente suas vidas. Os ocidentais deixam muitas vezes de compreender que os povos orientais que seguem uma forma externa tradicional externa de vida beneditina ou cisterciense podem ser muito mais influenciados em sua experiência espiritual pelo seu background oriental do que os ocidentais (que vivem no Oriente ou no Ocidente) que adotaram costumes orientais de sentar e de vestir e técnicas orientais de concentração e de meditação. Os orientais com freqüência se divertem e até se ofendem com essa ingenuidade ocidental.

Alguns como, por exemplo Merton, aprenderam bastante, ou cresceram bastante em sua vida espiritual através de diversas formas de contato com grandes mestres de outras tradições, embora este não tenha nunca sentido a atração ou a necessidade de usar suas técnicas. Por outro lado, alguém pode ter substituído suas cadeiras por almofadas, decorado as paredes de sua sala de oração com quadros de Buddha ou de Confúcio e ornado sua capela com uma mistura (artística) de estátuas cristãs, deuses e deusas hindus e talvez algumas esculturas africanas, sem tirar nenhum fruto espiritual de tal ecletismo. Qualquer pessoa que tenha viajado um pouco em círculos monásticos sabe que isto não é só uma caricatura. E este é o melhor meio de traçar a diferença entre o peregrino autêntico e o turista espiritual ou giróvago.

Por longo tempo, os participantes mais ativos no diálogo monástico interreligioso foram especialistas que, como parte de sua busca espiritual ou por razões acadêmicas (ou ambas) adquiriram um conhecimento muito respeitável de uma ou de muitas tradições e por vezes, adotaram o uso de técnicas espirituais destas tradições. Junto com estes autênticos peregrinos, os caminhos de diálogo estão atulhados com giróvagos espirituais que se estabelecem sucessivamente no zazen, yoga, meditação transcendental, etc... Mesmo a peregrinação dos especialistas corre agora o perigo de ser uma peregrinação ao passado. Os Vedas e os Upanishads são obras primas da espiritualidade das quais sempre podemos aprender. Não são entretanto a introdução mais direta ao hinduísmo concreto de hoje. Assim como o Peri Archon de Orígenes ou os sermões de Mestre Eckhart, embora escritos cristãos muito profundos não são a melhor introdução ao cristianismo atual para um budista ou um hindu.

O desafio real no momento presente é realmente fazer aas massas de monges do Oriente e do Ocidente - cristãos e não-cristãos - conscientes das tradições religiosas de cada um. Alguns passos importantes nesta direção foram dados recentemente através de várias formas de programas de hospitalidade: monges budistas têm passado alguns períodos de tempo em diversas comunidades cristãs ocidentais, e monges e monjas ocidentais têm feito o mesmo no Oriente. Deste modo, não só uns poucos especialistas, mas comunidades inteiras, de ambos os lados, estão em contato com uma tradição espiritual viva diferente da sua. Isto é certamente mais necessário e mais útil neste momento do que tudo o mais.

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Para ser um autêntico peregrino, precisa-se em geral passar por uma conversão. Quem quer que seja - do Ocidente ou do Oriente - que peregrine num mundo estranho tende naturalmente a ser um explorador e potencialmente, um conquistador. Um peregrino é uma pessoa absolutamente impotente.

Enquanto os cristãos primitivos foram um grupo pobre, pequeno e perseguido, eram impotentes, abertos ao diálogo. A teologia cristã conheceu seu mais notável desenvolvimento neste tempo, em diálogo com a filosofia grega. A ascese cristã primitiva e o monaquismo primitivo se desenvolveram também a este tempo, em diálogo com as culturas locais e adotaram formas adequadas a cada Igreja local. Mas começando no século quarto, a Igreja que se exercitava no poder recebido do Império Romano, perdeu sua capacidade para o diálogo. Nenhum diálogo é possível entre dois partidos quando um dos dois está numa posição de poder. O diálogo pressupõe que alguém primeiro renuncie ao poder, ou ao menos ao exercício do poder.

O maior perigo do diálogo inter-religioso hoje é provavelmente que ele pode se tornar muito facilmente uma conspiração dos poderosos contra os sem poder. Aqui, o que desejo dizer foi muito mais bem expresso por um homem que por longo tempo foi um dos mais ativos e mais corajosos pioneiros do diálogo entre cristãos e budistas, e um monge real de coração, embora jesuíta por sua profissão religiosa, Pe. Aloysius Pieris:

"Não posso deixar de concluir estes comentários com uma advertência de que muito do diálogo Zen Cristão pode ser uma fuga de muitas demandas sérias de nossa sociedade e que isto é bastante contrário tanto ao espírito do Zen quanto ao do Cristianismo. Fica claro para mim, após visitar muitos centros de "misticismo oriental" (um termo guarda-chuva que encobre praticamente tudo desde o zen até o yoga) em diversas partes da América, de que são os "americanos brancos de classe média" que os frequentam. Os negros, as minorias étnicas que lutam por justiça e igualdade, estão buscando mudanças estruturais para trazer paz e não são atraídas pela Meditação! É ingênuo pensar que a paz obtida pela oração cristã ou pelo Zen possa se disseminar automaticamente pela terra inteira sem um esforço organizado para mudar os sistemas dentro dos quais a humanidade veio a operar de modo egoístico.
Tanto o Budismo quanto o Cristianismo tem de dialogar também neste nível de "ação para a paz coletiva". O diálogo da natureza acima descrito que está acontecendo no Japão e no Ocidente, não deveria degenerar numa experiência auto-limitada das classes altas da sociedade. Isto seria injusto para ambas as religiões. Seria uma outra confirmação da bem conhecida tese marxista de que a religião é uma paz ilusória que impede a paz real que advém da igualdade. O diálogo não deveria ser uma conspiração de duas religiões que se tornam a si mesmas irrelevantes numa sociedade que define a paz como uma partilha não egoísta dos recursos mundiais."

Outro pioneiro do Diálogo no Sri Lanka, Lynn A. de Silva tem algo semelhante a dizer:

"A questão que surge... é se um diálogo intermonástico entre budistas e cristãos valeria á pena aqui na Ásia se ignorasse a situação das massas asiáticas. Se isto ocorrer, este diálogo não contribuiria para uma conspiração monástica contra as massas que servem e apóiam os monges?"

O que o Pe. Pieris e Lynn de Silva dizem da Ásia e da América do Norte poderia também ser dito da África e da América do Sul. Se estes dois continentes, entre os grandes grupos de jovens que investem toda sua fé e sua energia na luta pela justiça e por mudanças estruturais que tornarão a paz possível, existe uma profunda experiência espiritual. Não parece existir, contudo, muito diálogo entre eles e aqueles que vivem nos mosteiros. Vivi num país africano por alguns anos, e tive a oportunidade de visitar vários outros. Em minha comunidade africana, tive um grupo bom de aspirantes excelentes. Mas no mesmo período, estabeleci alguns contatos com jovens do movimento Young Christian Students, e por vezes era difícil crer que os dois grupos fossem provenientes da mesma cultura.

Numa Igreja que prega uma opção preferencial pelos pobres, o diálogo com a religião local deve ser um diálogo com a religião das massas que lutam pela sobrevivência e pela libertação, Nessas condições, um diálogo com uns poucos intelectuais alienados poderia ser na melhor das hipóteses diletantismo. Algumas pessoas na África pensam que a maioria dos esforços feitos para inculturar a liturgia pela introdução de costumes locais externos (que já foram considerados como folclore por uma grande parte da população) são uma maneira de evitar os assuntos reais vitais das massas.

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Num artigo que tinha provavelmente um sabor autobiográfico, Thomas Merton descreveu a vida monástica como uma terapia e o monge "acabado" como alguém que teria alcançado a integração final.

"O homem que alcançou a integração final não está mais limitado pela cultura em que cresceu. Ele abraçou toda a vida... Experimentou qualidades de todo tipo de vida: a existência humana comum, a vida intelectual, a criação artística, o amor humano, a vida religiosa. Passou através de todas estas formas limitantes, enquanto retinha tudo o que há de melhor e de mais universal nelas, finalmente fazendo nascer um self totalmente abrangente. Aceita não somente sua própria comunidade, mas também sua própria sociedade, seus próprios amigos, sua própria cultura, e toda a humanidade. Não permanece ligado a um conjunto limitado de valores de tal forma que ele se oponha a eles de modo agressivo ou defensivo aos outros. Ele é plenamente "católico" no melhor sentido da palavra. Tem uma visão e uma experiência unificada da verdade única que se exterioriza em todas as suas diversas manifestações, algumas mais claras do que outras, algumas mais definidas e mais certas do que outras. Não coloca estes pontos de vista parciais em oposição a outros, mas unifica-os numa dialética ou numa visão de complementaridade. Com esta visão da vida ele é capaz de levar perspectiva, liberdade e espontaneidade às vidas dos outros. O homem finalmente integrado é um pacificador, e é por isto que se tem necessidade desesperada que nossos líderes se tornem tais tipos de homem."

Ninguém pode entrar nos caminhos do diálogo como um peregrino autêntico sem ter alcançado ao menos um certo grau de tal integração. Merton era um homem assim. Profundamente enraizado em sua própria tradição, era capaz de entender quase por osmose os ensinamentos básicos de outras tradições e de desenvolver amizade profunda com representantes autênticos de tais tradições. É extremamente importante notar que o período de sua vida em que entrou mais e mais nesse diálogo foi aquele em que se tornou cada vez mais preocupado com o destino dos oprimidos e com as vítimas de guerra.

Grandes "peregrinos" podem facilmente ser achados na história do monaquismo. Mencionemos apenas um do passado, sob muitos aspectos um dos maiores: Evágrio Pôntico. Veio ao deserto com a melhor educação que alguém poderia ter adquirido em seu tempo. Formado na escola de Alexandria, aí teve um contato profundo não só com a sabedoria grega mas também com as correntes não helênicas de espiritualidade. Tendo alcançado uma grande unidade pessoal e liberdade, veio ao deserto com humildade e aprendeu da experiência do grande exército de monges que o haviam precedido na Nítria e Kellia. E foi capaz de exprimir essa experiência (dele e de outros monges de quem havia aprendido) num poderoso sistema espiritual.

Não é por acaso que um dos teólogos contemporâneos que reagiu mais violentamente ao movimento atual de diálogo com o Oriente, Hans Urs von Balthasar, (a quem o Pe. Pieris vê como o "mais formidável defensor" da Cristandade Ocidental) sempre considerou Evágrio como uma ameaça, sempre vendo-o como mais budista do que cristão. Outros mostraram que Balthasar interpretou a experiência cristã pré-calcedônica de Evágrio com conceitos pós-calcedônicos e, devido a isto, deixou de vê-lo como autenticamente cristão. De fato, ninguém ousaria negar que Balthasar estava certo em julgar severamente o que, neste artigo, estou chamando de "girovagismo". O que acho perturbador na sua voz e nas vozes que o apoiaram é a recusa (ao menos aparente) da possibilidade de uma peregrinação para além dos limites de um sistema religioso para uma experiência que transcende todos os sistemas. E não é este o escopo da vida monástica?

Evágrio viveu 16 séculos atrás. Se desejamos encontrar em nosso próprio tempo alguém que se manifestou como um autêntico peregrino, pensaremos imediatamente no grande monge a quem este artigo é dedicado.

Se Dom Jean Leclercq foi durante as três ou quatro últimas décadas o objeto de tanto amor e admiração por todo o mundo, foi porque ele aí esteve como um peregrino muito simples e humilde. Enraizado em sua própria tradição, sempre permaneceu ele mesmo, nunca tentando transformar-se externamente em algo de diferente do que era. E por isto, estava à vontade em toda parte e com todos. De cada um aprendeu algo e a cada um, tinha algo a ensinar do que havia aprendido de suas experiências prévias e de seus encontros. Muitos de nós fomos iniciados no diálogo por ele e por tudo o que ele mostrou em sua vida para caracterizar o que é um autêntico monge peregrino.

D. Armand Veilleux, OCSO

Traduziu: Cecilia Fridman, Rio Negro, PR, Brasil, para o Mosteiro Trapista Nossa Senhora do Novo Mundo, 15.7.99