Parte 11

 

ANTÃO VAI A ALEXANDRIA SOB A PERSEGUIÇÃO DO IMPERADOR MAXIMINO (311)

46. Depois disto, a perseguição de Maximino (42), que irrompeu nessa época, abateu-se sobre a Igreja. Quando os santos mártires foram levados a Alexandria, ele também deixou sua cela e os seguiu, dizendo: "Vamos também nós tomar parte no combate se somos chamados, ou a ver os combatentes." Tinha grande desejo de sofrer o martírio, mas não querendo entregar-se (43), servia aos confessores da fé nas minas e nas prisões. Afanava-se no tribunal, estimulando o zelo dos mártires quando eram chamados e escoltando-os quando iam para o mártírio, ficando junto deles até que expirassem. Por isso o juiz, vendo sua intrepidez e a de seus companheiros e seu zelo nestas coisas, deu ordem para que nenhum monge aparecesse no tribunal ou ficasse na cidade. Todos os demais julgaram conveniente esconder-se esse dia; Antão, porém, preocupou-se tão pouco com isso que lavou suas roupas e no dia seguinte colocou-se à frente de todos, num lugar proeminente, à vista e paciência do prefeito (44). Enquanto todos se admiravam e o prefeito mesmo o via ao acercar-se com todos os seus funcionários, ele estava ali de pé, sem medo, mostrando o espírito anelante próprio a nós cristãos. Como expressei antes, orava para que também ele pudesse ser martirizado, por isso penalizava-se por não haver sido.

Mas o Senhor cuidava dele para nosso bem e para o bem de outros, a fim de que pudesse ser mestre da vida ascética que ele próprio havia aprendido nas Sagradas Escrituras. De fato, muitos, só ao ver sua atitude, converteram-se em zelosos seguidores de seu modo de vida. De novo, por isso, continuou com o costume de ir ao serviço dos confessores da fé como se estivesse encadeado junto com eles (Hb 13,3), esgotou-se em seu afã por eles.

O MARTÍRIO DIÁRIO DA VIDA MONÁSTICA

47. Quando finalmente cessou a perseguição e o bispo Pedro, de santa memória, sofreu o martírio, voltou à solidão de sua cela e aí foi mártir cotidiano em sua consciência, lutando sempre as batalhas da fé (45). Praticou um vida ascética cheia de zelo e mais intensa. Jejuava continuamente, sua veste interior era de pelo, e de couro a exterior, e a conservou até o dia de sua morte. Nunca banhou seu corpo (46), nem tampouco lavou seus pés nem permitiu metê-los na água sem necessidade. Ninguém viu seu corpo nú até que morreu e foi sepultado.

48. De volta à solidão, determinou um período de tempo durante o qual não sairia nem receberia ninguém. Então um oficial militar, um certo Martiniano, chegou a importunar Antão: tinha uma filha à qual o demônio molestava. Como persistia batendo à porta e rogando que saísse e rogasse a Deus por sua filha, Antão não quis sair, mas por uma janelinha lhe disse: "Homem, por que fazes todo esse barulho comigo? Sou um homem como tu. Se crês em Cristo a quem eu sirvo, vai e como crês, ora a Deus e Ele te ouvirá". O homem foi, crendo e invocando a Cristo, e sua filha foi liberta do demônio. Muitas outras coisas fez também o Senhor por intermédio dele, segundo a palavra: "Peçam e lhes será dado" (Lc 11,9). Muitíssima gente, que sofria, dormia simplesmente fora de sua cela (47), pois ele não queria abrir-lhes a porta, eram curados por sua fé e sincera oração.

FUGA PARA A MONTANHA INTERIOR

49. Quando se viu acossado por muitos e impedido de retirar-se como era seu propósito e seu desejo, e inquieto pelo que o Senhor estava operando por intermédio dele, pois podia transformar-se em presunção, ou poderia alguém estimá-lo mais do que convinha, refletiu e foi-se para a Alta Tebaida, a um povo que o desconhecia. Recebeu pão dos irmãos e sentou-se à margem do rio, esperando ver um barco que passasse e no qual pudesse partir. Enquanto estava assim esperando, ouviu-se uma voz do alto: "Antão, aonde vais e por que?"

Não se desorientou, mas, ouvindo outras vezes tais palavras, contestou: "Já que as multidões não me permitem estar só, quero ir para a Alta Tebaida, porque são muitos os incômodos a que estou sujeito aqui, e sobretudo porque me pedem coisas para além de meu poder". "Se sobes à Tebaida", disse a voz "ou se, como também pensaste, desces à Bucolia (48), terás mais, sim, o duplo de incômodos a suportar. Mas se realmente queres estar contigo mesmo, então vai-te ao deserto interior".

"Mas, disse Antão, quem me mostrará o caminho? Eu não o conheço". De repente chamaram-se a atenção uns sarracenos que estavam a tomar aquele caminho. Aproximando-se, Antão lhes pediu para ir com eles ao deserto. Como por ordem da Providência, deram-lhe as boas-vindas. E viajou com eles três dias e três noites e chegou a uma montanha muito alta, tendo ao pé uma água clara como cristal e muito fresca. Estendendo-se dali havia uma planície e algumas tamareiras.

50. Como inspirado por Deus, Antão ficou encantado com o lugar (49) porque foi isto o que quis dizer Quem falou com ele à margem do Rio. Começou por conseguir uns pães de seus companheiros de viagem e ficou sozinho na montanha, sem companhia alguma. Daí em diante olhou esse lugar como se houvera encontrado seu próprio lar. Quanto aos sarracenos, notando o entusiasmo de Antão, fizeram do lugar um ponto em suas travessias, e estavam contentes de levar-lhe pão. Também as tamareiras lhe davam uma pequena e frugal mudança de dieta. Mas tarde os irmãos, inteirando-se do lugar, como filhos preocupados por seu pai, engenharam-se para enviar-lhe pão. No entanto, vendo Antão que o pão lhes causava incômodo, pois tinham de aumentar o trabalho que já suportavam, e querendo demonstrar consideração aos monges também nisso, refletiu sobre o assunto e pediu a alguns de seus visitantes que lhe trouxessem um enxadão e um machado e alguns grãos.

Quando o trouxeram, ele foi ao terreno junto da montanha, e encontrando um pedaço adequado, com abundante provisão de água vertente, cultivou-o e semeou. Assim o fez cada ano e conseguia seu pão. Estava feliz, pois com isto não era molesto a ninguém e em tudo tratava de não ser carga para os outros (50). Mais tarde, porém, vendo que de novo chegava gente para vê-lo, começou a cultivar também algumas hortaliças, a fim de que seus visitantes tivessem algo mais para restaurar suas forças depois de tão cansativa e pesada viagem.

No começo, os animais do deserto que vinham beber água danificavam as plantações de sua horta. Pegou então um deles, reteve-o suavemente e disse a todos: "Por que me prejudicam se não lhes faço nada a nenhum de vocês? Retirem, e em nome do Senhor não se aproximem outra vez destas coisas!" E desde então, como atemorizados com essas ordens, lá não voltaram mais.

DE NOVO OS DEMÔNIOS

51. Assim esteve sozinho na Montanha Interior, dando seu tempo à oração e à prática da vida ascética. Os irmãos que foram em sua busca rogaram-lhe que lhes permitisse ir cada mês e levar-lhe azeitonas, legumes e azeite, pois agora já era ancião.

De seus visitantes soubemos quantos combates teve de suportar enquanto viveu ali, "não contra carne e sangue", como está escrito (Ef ,12), mas em luta com os demônios. Também ali ouviram tumultos e muitas vozes e clamor como de armas. À noite viram a montanha encher-se de vida com animais selvagens. Viram-no também lutando como com inimigos visíveis, e orando contra eles. A um que o visitou falou-lhe palavras de alento enquanto ele próprio mantinha-se firme na contenda, de joelhos e orando ao Senhor. Era realmente notável que, sozinho como estava nesse despovoado, nunca desmaiasse ante os ataques dos demônios, nem tampouco com todos os animais e répteis que havia, tivesse medo de sua ferocidade. Como está na Escritura, ele realmente "confiava no Senhor como o monte Sião (Sl 124,1), com ânimo inquebrantável e intrépido. Assim os demônios antes fugiam dele, e os animais selvagens fizeram paz com ele, como está escrito (Jó 5,23).

52. O mau pôs estreita guarda sobre Antão e rangeu os dentes contra ele, como o disse Davi no salmo (Sl 34,16), mas Antão foi animado pelo Salvador, não sendo danificado por essa vilania e sutil estratégia. Enviou-lhe animais selvagens enquanto estava em suas vigílias noturnas, e em plena noite todas as hienas do deserto sairam de suas tocas e o rodearam. Tendo-o no centro, abriam suas fauces e ameaçavam mordê-lo. Ele, porém, conhecendo bem as manhas do inimigo, disse-lhes: "Se receberam poder para fazer isto contra mim, estou disposto a ser devorado; mas se foram enviados pelos demônios, saiam imediatamente porque sou servidor de Cristo". Enquanto Antão dizia isto, fugiram como açoitados pelo látego dessa palavra.

53. Poucos dias depois, enquanto estava trabalhando - porque o trabalho sempre era parte de seu propósito - alguém chegou à porta e puxou a corda com que trabalhava (estava fazendo cestos que dava a seus visitantes em troca do que lhe traziam). Levantou-se e viu um monstro que parecia homem até as coxas, mas com pernas e pés de asno. Antão fez simplesmente o sinal da cruz e disse: "Sou servidor de Cristo. Se foste enviado contra mim, aqui estou". O monstro porém com seus demônios fugiu tão rápido que sua própria rapidez o fez cair e morreu. A morte do monstro veio a significar o fracasso dos demônios: fizeram o que puderam para que saísse do deserto e não o conseguiram (51).

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